As vezes a angústia recua, a ansiedade dá uma trégua, e eu respiro mais aliviada, por algum tempo, os pensamentos se encaixam no lugar certo, a rotina passa a fazer sentido, uma zona de conforto é criada. Sempre ouvi discursos de que a zona de conforto é um lugar ruim, discordo, a zona de conforto é aquela rede de apoio caso você pule e não consiga voar, são os travesseiros no chão da sala, quando a gente é criança, e deixa eles lá para nos amparar caso a sessão de pulos no sofá resulte em queda, é bom, é seguro, é correto. Ainda mais para mim que estou constantemente batalhando dentro da minha mente. Os últimos dias tem sido um mergulho em águas tranquilas, um silêncio estranho na mente, tão acostumada ao barulho de vários pensamentos ao mesmo tempo, sabemos que não vai durar para sempre, mas toda essa situação, enxergo como um breve pouso de passarinho que esta migrando antes do inverno chegar, o destino é o mais longe que ele já traçou, então pelo caminho ele descansa num galho, se alimenta, passa suas penas numa poça d'água, se alivia e segue viagem, acredito que eu esteja em momento de pouso, e vou aproveitar, porque estou migrando, para a finalidade das minhas certezas, nem sempre tão corretas, mas sempre certeiras em me impulsionar.
Mundo ideal
No meu mundo ideal, eu tenho a mesma idade de agora, e sou casada com o mesmo homem, mas nós já terÃamos um filho de 2 anos, Emanuel, nascido de um parto humanizado, na nossa casa construÃda próxima da cidade, com janelas grandes de vidro emolduradas com madeira, para que entrasse muita luz sempre, o quarto com vista para as montanhas cheias de rochas e vegetação, traria a paz do inÃcio do dia, um imenso pomar nos fundos, uma área de churrasco com uma mesa de madeira com 16 lugares, onde receberÃamos sempre a famÃlia e amigos, um orquidário, um belo jardim na frente, muros cobertos por era, dando a sensação de privacidade e segurança.
Eu estaria trabalhando com o que amo, e teria escolhido ficar em casa no primeiro ano do meu filho para poder acompanhar de perto seus primeiros passos e descobertas, eu saberia dirigir, porque não teria medo, e daria longos passeios com ele quando estivesse sem sono, depois de colocá-lo na cama com uma história e uma música, eu iria tomar uma taça de vinho na rede da varanda junto com o meu marido e falar do nosso dia, rir de tudo como sempre fazemos. Comer não seria mais um escape nem um problema para mim, estaria sempre em paz com meu corpo por ter aprendido a sempre fazer boas escolhas.
Eu não andaria por aà com dores no corpo pela tenção nervosa constante, nem a eterna sensação de desconforto que me acompanha, eu seria livre, teria tido constância em minhas escolhas e finalizado a faculdade, aprendido outro idioma e mudado o mundo ao meu redor com ele, não me sentiria tão sozinha, minhas dúvidas seriam respondidas, e todas as noites eu adormeceria rapidamente com a consciência tranquila, seria 5am Club, teria um esporte preferido, saberia tocar violão como eu sempre quis.
É muito coisa aos 27, mas eu vejo tantas vidas assim na internet, porque a minha é diferente?
Esses dias não tem sido fáceis, muitas cobranças e ansiedade, me vejo caminhar para um estado que eu detesto estar, compulsiva, depressiva e estressada, ácida, querendo me esconder do mudo. Todo ansioso alguma vez já desejou trocar o seu transtorno por uma doença tangÃvel pensando que assim as pessoas ao redor iriam ser mais compreensivas e acreditar quando você fala que não está bem, em algum momento, desejamos que tudo isso fosse só uma perna quebrada, ou qualquer moléstia externa ou que aparecesse em exames, e não, não estou diminuindo quem tem tudo isso, longe de mim, muito menos estou querendo ter essas coisas na minha vida, mas era só para dias como estes, que eu não quero abrir a boca para nada, e ficar só deitada no escuro, dias que eu olho para as mil coisas a serem feitas no meu trabalho, os afazeres em casa, essas coisas piscando em vermelho na minha mente, que me aterrorizam, amargam a minha lÃngua, que me fazem sentir que sou uma incapaz, para esses dias, eu queria apenas tomar um remédio, ou usar uma tala como lembrete que "tudo bem, vai passar, mas por hora cuidado comigo, respeite o meu tempo, me deixe um pouco sozinha, que eu vou melhorar."
Hoje é o meu aniversário, e eu amo comemorar, e estar com pessoas que me amam nesse dia, porém já tem uns 4 anos que semanas antes do dia 2 de fevereiro, vai nascendo em mim uma certa angústia, com uma pitada de revolta, porque a vida não está como eu imaginava que estaria ao alcançar certa idade, que bobagem! Logo eu que gosto tanto de comemorar e estar feliz nesses momentos, deixar esses sentimentos povoarem a minha mente. Se tem uma coisa que a pandemia me ensinou é valorizar as pequenas coisas, e aproveitar ao máximo tudo que estiver ao meu alcance, porque o depois é mais incerto do que nos contaram. Então resolvi fazer uma lista com 27 coisas para agradecer:
Agradeço...
1 - Por minha vida
2 - Pela vida da minha famÃlia, por não ter perdido nenhum deles nessa pandemia.
3 - Por ser casada com um homem maravilhoso.
4 - Por ter um teto sobre a minha cabeça.
5 - Por nunca me faltar o que comer.
6 - Por ter um emprego bem estruturado.
7 - Por morar numa cidade tranquila.
8 - Por poder fazer terapia.
9 - Por ser resiliente.
10 - Por me permitir aprender com meus erros.
11 - Pelos meus amigos.
12 - Por conhecer a Libras e estar aprendendo.
13 - Por ter diversos talentos manuais.
15 - Por ter uma sogra que me ama como filha.
16 - Pelos meus amigos.
17 - Por estar mais próxima de Deus.
18 - Pelo cuidado de Deus na minha vida.
19 - Pelas novas amizades.
20 - Pelas sobrinhas.
21 - Por ter condições de fazer uma faculdade
22 - Por ser tão criativa
23 - Por saber fazer comida saudável ser gostosa como ninguém!
24 - Por ter uma cachorrinha que sempre me recebe feliz todo fim de dia.
25 - Por nunca desistir dos meus sonhos.
26 - Por ter meus pais ainda comigo ( e por um bom tempo mais se Deus quiser
27 - Por ter chegado aos 27 anos com alegria de menina, visão ampla, empática, respeitosa de tudo ao meu redor, ter vivido as dores que vivi, as alegrias e experiências, só contribuiu para estar me tornando alguém que eu admiro e amo! E que venha um próximo ciclo!
Dizem que o luto possuiu 5 estágios, e nos últimos 2 meses passei por todos: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação, não necessariamente na mesma ordem, e muito menos isoladamente, as vezes me via sentindo mais de um estágio junto, deve ser por isso que em 60 dias alcancei e permaneci no ultimo estágio. Que fase mais esperada! Que alÃvio ver a tempestade passar! Outro dia me vi comprando itens para decorar a cozinha, noutra tarde senti prazer ao finalizar a faxina, mais do que o habitual, outro dia voltando do trabalho, senti até certa euforia ao avistar a casa ao virar da esquina, sim, minha vida tem um novo lar.
Uma forte contribuição para este meu atual estado de graça, é finalmente resolver olhar a minha história com outros olhos, com olhos de compaixão e amor, olhos otimistas. Tenho muita dificuldade para enxergar o lado bom das coisas, mas teimosa que sou, estou empenhada em mudar este quadro por completo. Decidi que eu ia gostar desse novo lar, " Eu decidi que eu vou gostar dessa casa nova" decretei na minha ultima sessão de terapia, a qual foi fundamental para que eu nomeasse tudo que estava sentindo e entendesse meus limites, hoje olho para as diversas casas que estive, das mudanças que organizei independente do motivo, e sinto gratidão, orgulho pelo crescimento que cada uma me proporcionou.
Sim, eu aceito essa nova página da minha história, e hoje eu decido não ver a mudança como algo negativo na minha vida, sair da rota de enxergar problema nessa situação, toda vez que eu precisar mudar, seja de opinião, estilo de vida, de casa, quero estar pronta e aberta para o novo, mudança não é retrocesso é evolução! Só quem realmente se conhece e quer obter sucesso e felicidade aceita novos caminhos, não creio que há metamorfoses ruins ou boas, apenas há, o que fazemos após elas é que determina os frutos que iremos colher: de plenitude ou insatisfação.
Estou pertinho do êxtase depois dessa descoberta, é uma felicidade diferente, sem a euforia cega, é mais um serenar tranquilo na alma, em pequenas doses diárias, e a cada dia eu vou treinando mais o meu interior a olhar para toda situação de maneira otimista e sensata! Eu gostaria que vocês pudessem sentir o mesmo que eu, pois teriam o mesmo sorriso que esta no meu rosto agora, enfim, eu disse que voltaria com boas notÃcias, do lado de cá estamos bem empenhados nisso agora, prometo trazer mais dessa nova jornada que estou trilhando no caminho da minha mente, até lá, foquem na esperança, ela nos dá forças para nunca desistir!
É sempre um ato de olhar para os cantos e tentar se encaixar num lar que não foi criado para você, o inÃcio é até gostoso, mas com o tempo, aparecendo alguns problemas acaba sendo uma dor de cabeça, e com os anos não vai ficando mais fácil, estou na minha 5° casa, me mudei há 13 dias, a ultima, que gostávamos bastante, estava com problemas de mofo e infiltração, e como o dono não resolvia, tomamos a decisão de mudar para não perdermos nossas coisas, só que assim que colocamos tudo na casa nova o luto veio.
Crise de ansiedade, choro, estranheza, nunca havia sofrido tanto assim por uma mudança, eu estava de luto por tudo de bom vivido na outra casa, eu gostava da rua, dos vizinhos, da maior privacidade, da tranquilidade, e agora esse lugar novo que eu tenho que me habituar, onde, apesar dos móveis serem meus, não me enxergo em nada, uma baita estranheza de alma me invadiu, como se eu tivesse retirado as paredes que protegiam o meu coração, minhas boas memórias, meus momentos de sossego, de consolo, e a escolha ainda foi minha, o que tornou tudo imperdoável dentro de mim.
Agora me resta esperar o luto passar, abrir as janelas para a poeira da alma sair, aceitar o novo desconhecido, as novas consequências, me acostumar com a nova rota, e novos desafios, porque eu bem sei que lar é onde o nosso coração está, e que eu tenho capacidade de transformar qualquer realidade ao meu redor, pensar positivamente dá mais trabalho do que enxergar defeitos, dá, mas deve ser um exercÃcio diário em nossas vidas, para tornar tudo mais tolerável, o caminho mais florido, eu sei que tudo isso vai passar e logo estarei voltando com boas notÃcias.
Oco
que é vazio por dentro; cavo, vão.
Ultimamente tenho me sentido morar dentro dessas três letras: oco. Um vazio intenso vem ganhando espaço dentro de mim, que ora me preocupa ora penso que sempre foi parte de mim, e com o passar dos anos só tem tomado seu lugar de direito. Sempre fui de sonhar, planejar, e correr atrás com todo afinco, mas atualmente é como se tentasse correr debaixo d'água, é tão cansativo ser altruÃsta, ainda mais no mundo que presencio hoje, dos meus diálogos internos sempre me questiono: "Preciso de ajuda? Mas de quem? Não sobrou ninguém, só o vazio..." perdi tantas certezas, pessoas, lugares, minha identidade.
Hoje não sei bem o que sobrou, além do oco, um espaço imenso que não quero remobiliar novamente, porque estou exausta, e só quero me encolher num canto e ver a vida passar. Esperar que bons ventos tragam tudo para seu devido lugar, eu só queria um lugar para me abrigar, um que reduza esse imenso espaço dentro de mim, um lugar repleto de aconchego das minhas certezas, hoje tão poucas, que eu vire uma estátua de sal, que teve como pecado desejar o passado, aquela estabilidade que foi trocada por pisar o tempo todo em terreno erosado.
Meu coração se parte ainda mais quando me dou conta dos que ainda me amam e tentam me salvar dia após dia, porém isso é algo que somente eu mesma posso fazer, e no momento só quero me afundar mais e mais nessa dor seca, sem lágrimas, porque eu não sei como por para fora todo esse vazio, porque não há o que se retirar, quando a solução seria adicionar, mais cor, mais sonhos, mais vida, até não sobrar mais nenhum espaço, contudo por enquanto, estou no meu canto a me recuperar...
Para variar, a saudade de pequenas cenas do passado sempre me bate, invade como um cobertor quente minhas memórias. É aquela gota de positivismo diário, o que me impulsiona a prosseguir, e não tem bem uma deixa certa para acontecer, o que me gera surpresas maravilhosas, a maneira que minha alma me faz recordar que já vivi dias melhores. Entre a papelada do escritório, ou na fila do banco, dentro do transporte público, voilá, as memórias daquela tarde quente de domingo em que fiz bolo de laranja para o café da tarde, que exalou um cheiro cÃtrico maravilhoso por todo apartamento, preenche todos os cantos da minha mente explodindo em serotonina pelas veias, e esse ultimo domingo que foi o dia das mães, trouxe a recordação de um momento recorrente em minha primeira infância...
Minha mãe trabalhou como faxineira antes de se aposentar na prefeitura da cidade, e levantava sempre muito cedo, as 4 da manhã para iniciar sua jornada à s 5 horas, e me lembro bem, de ser uma criança que sempre estava gripada, e de inflamar a garganta diversas vezes, também da mamadeira de leite com açúcar morna que ela me dava antes de ir trabalhar, e que nesses dias em que eu estava doente, o dolorido da garganta me fazia chorar quando o leite passava por ela, mas ao sentir o abraço quente dela no escuro da madrugada, trazia-me cura, me acalmava e dormia antes das lágrimas secarem, hoje imagino o quanto deveria ser difÃcil para ela deixar uma filha pequena doente em casa e ir para o trabalho, das noites que eu não a deixava dormir, e tudo isso me inspira tanta gratidão!
Espero um dia ser metade da mãe que ela é para mim, e sim, quem dera que por um descuido Deus fizesse todas as mães eternas! Esses momentos de recordação vÃvida, me trazem tantos sentimentos bons! Espero, de coração, que um dia eu venha deixar essas mesmas memórias para os meus filhos, um pensamento recorrente agora que fiz 26 anos, e em breve completando 6 de casamento sólido e feliz em 18 de julho. No entanto, sigo completamente ciente que se morar em minhas memórias estarei fugindo do meu presente e minando o meu futuro, e é por isso que as tenho como tão preciosas gotas de inspiração que orvalham sobre mim dia após dia, enquanto vou construindo minha história.