Traslado

 

Estou lembrando menos dos erros passados, e esquecendo mais do futuro, tenho me concentrado no aqui, o agora é tudo o que quero ter, agarrei com unhas e mãos, pés e alma, a vontade de viver que facilmente me escapa, ela terá de permanecer para que isso continue dando certo. A única peça do passado que me permito revisitar, é a minha criança, quem diria! Tão desconsiderada, silenciada, indesejada em alguns momentos, é ela que tem me dado forças e tem sido um combustível para me manter sã nesse momento.

Quando a desesperança me abraça, e o desânimo quer me costurar na cama, lembro-me daquela menina, de fartos cabelos, e joelhos sempre ralados, porém louca para abraçar o mundo, e conhecer tudo sem medo, que levantava todo dia as 06:00 e tomava banho, mesmo no inverno, se trocava debaixo das cobertas, colocando seu melhor vestido, e ia para a vida, observava as cores ao seu redor sempre como se fosse a primeira vez, não tinha medo de pegar borboletas que pousavam numa flor do outro lado da rua, colocava todas num potinho só para poder soltá-las juntas, e voar com elas, mesmo que em pensamento.

É por essa menina que ainda permaneço, pois devo isso para ela, continuar mostrando o mundo para aqueles olhinhos de jabuticaba brilhantes brotando do pé, daquelas mãozinhas que tiveram que aprender a fazer bolos de barro sozinhas, eu preciso continuar por ela, e mostrá-la que a vida não é só brincadeiras solitárias pelo quintal, que também conseguimos ser felizes além de sozinhas, há se eu pudesse voltar no tempo! E abraçar aquela menina, naquele dia onde o bullying foi tão insuportável, que virou agressão física, que virou medo da rejeição, e é por ela que eu me cuido, e me respeito acima de tudo. 

Pensando bem, percebo que ainda revisito com grande frequência o passado, porém focando em quem realmente importa, e fazer as pazes com você, minha pequena eu, saber que mesmo no presente  consigo te proteger, me conforta, e é isso que me me impulsiona a sair da estagnação, a desacreditar que minha tristeza não tenha cura, o tempo todo, me bastava olhar para dentro, que meus olhos encontrassem os seus, para se iluminarem novamente, obrigada por ser o meu traslado a prosseguir.