Cinza feliz


Estamos no início de julho, um dos meses mais frios por aqui, a brisa gelada levitando as cortinas da janela denuncia isto. A luz escassa pelos dias nublados envolve a casa criando sombras de mistério, e deixa tudo um tom menos colorido, cinza, mas um cinza feliz, que me dá a nítida sensação de aconchego. Me perdoe o sol, que fica lindo quando se põe, esplêndido quando nasce, e maravilhoso em fotos, mas eu tenho um caso de amor profundo com o inverno. Uma paixão inesgotável por dias nublados.

Aproveito esses dias para me afundar no meu velho moletom que ainda não sei dizer se é rosa ou vermelho, desbotado pelo tempo, com as mangas que cobrem às mãos até ao meio, solto o cabelo para aquecer o pescoço, vou pro "sofá grande" que fica perto da janela, e observo a vida quieta lá fora, tão opaca sem o sol, ao mesmo tempo, que a verdadeira beleza das coisas é revelada. E me sinto abraçada pelo calor do meu próprio corpo, enquanto roço um pé no outro imaginado não haver nada melhor que isto.

Talvez haja, meu estômago se contraiu, e minhas mãos espalmaram o sofá, até que pudesse me equilibrar sobre os joelhos e colocar a cabeça para fora da janela, chuva. Criando pequeninas explosões em tudo que tocava, redesenhado o relevo das coisas, e trazendo cheiro de terra molhada e mato para dentro de casa. Fechei os olhos e respirei com toda vontade o aroma inconfundível de paz se misturando com o da chuva, e a melodia que os pingos criavam encheu o silêncio da sala e me fez querer dançar.

Contrariando este impulso levantei em direção à cozinha, fiz chocolate quente, selecionei o volume dois da série que estava lendo, retornei ao meu ponto de paz, e fiquei pensando que felicidade deveria ser assim: dias nublados onde a alma da gente se faz de cobertor, e a chuva nos canta uma canção, enquanto rega nossas flores e sonhos.

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