Se viva!

O dia é um carrocel girando rápido demais, e seu coração acaba ficando enjoado, com toda força que tem, procura manter a paz do lado de dentro, e responder à todas expectativas arremessadas nela por fora. Treme. Engole seco, desvia o olhar, meche no cabelo, abre e fecha portas, com a mesma expressão. E ainda não é nem meio-dia. Chega em casa, no espelho tem alguém que a lembra vagamente a pessoa que quis ser quando tinha dez anos, naqueles planos que fazemos nas aulas do colégio.

Aguente firme, e mantenha a paz aí dentro, respire fundo, o dia está quase no fim, e as cores desbotadas também. Onde foi que perdeu sua sensibilidade? Pobrezinha, tão preocupada em ser tudo, que esqueceu de ser ela mesma. E a verdade é que ninguém quer amar uma imitação, ninguém gosta de coisas não-originais não é mesmo? Mas o tempo inteiro é como se as responsabilidades a espremessem no chão, confesso que tô de cabeça baixa para o medo, e vez em sempre tenho deixado ele vencer também, sempre pensa.

Onde se deixou pelo caminho? Será em que lugar guardou sua coragem? Porque já é hora de achá-la, e usá-la com todo ímpeto que puder. Respire fundo, isso, agora arrisque um sorriso para o espelho, perfeito. Está vendo? Algumas escamas foram removidas, sua máscara está rachando feito barro seco, solte o cabelo, coloque uma moldura neste quadro sem cores que você havia se tornado, um rabisco de existência. Abra as cortinas, e coloque aquele vestido vermelho-sangue que realça sua pele pálida, prometa que vai tirar um tempo para sentar-se com o sol, e lembrar apenas de coisas boas, nem que seja somente uns cinco minutos do seu tempo tão precioso.

Vai menina, vai depressa pro ponto de ônibus, mas vê se não esquece seu coração no caminho, e vê se não dorme sozinha hoje, liga para ele, esquece que tem que acordar cedo, quem tem que gerar inventários, invente a si mesma hoje, crie seu próprio tempo, se livre das máscaras só por uma noite, relembre o que é ser você, se viva!